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Kandinsky e Fan Ho - um encontro improvável?
Prosseguindo no estudo da composição em fotografia, acabei conhecendo dois artistas que se destacaram em diferentes (quase opostas) expressões da arte visual: pintura abstrata e fotografia. Depois de algumas leituras e releituras, creio que temos um estudo pronto para mostrar as conexões entre as ideias de Kandinsky e a fotografia de Fan Ho.
Antes, porém, temos que tratar de um potencial desafio. Tendo sido Kandinsky um pintor abstrato, poderia haver correlação entre esse estilo de pintura e a essência “representativa” da fotografia? A resposta é do próprio Kandinsky e é direta: “O contato do ângulo agudo de um triângulo com o círculo não tem um efeito menor do que o do dedo de Deus com o dedo de Adão em Michelangelo” [citando o afresco da Capela Sistina, denominada “Criação de Adão]”. Ele insistia que os dedos dos personagens do afresco não são anatomia, mas sim meios pictóricos; assim como o triângulo e o círculo não são geometria, mas também meios pictóricos.
Wassily Kandinsky nasceu em Moscou em 1866 e faleceu na França em 1944. Foi artista plástico, teórico e pioneiro da abstração no campo da pintura. Lecionou arte e arquitetura na escola alemã Bauhaus de 1922 até seu fechamento em 1933.
No seu primeiro livro Do Espiritual na Arte, publicado em 1914, Kandinsky defendeu uma “conexão intercódigos”, que seria uma vinculação de códigos de distintas formas de arte: visual, sonora e verbal. Ele usava analogias para explicar alguns conceitos da pintura abstrata, como “ressonância”, “drama” e “lirismo”. O desenvolvimento de seus estudos sobre as formas e, particularmente, sobre pontos e linhas, levou-o a escrever Ponto e Linha Sobre Plano, lançado em 1926.
A tese central de Ponto e Linha Sobre Plano é que existe uma “ciência da composição” passível de ser compilada por uma “teoria geral” a ponto de recorrer à matemática para fundamentá-la. Ainda que essa ideia da “teoria geral” não tenha prosperado com a força de uma nova “ciência”, diversos conceitos acabaram se configurando como base para o estudo da composição visual. Em um dos posicionamentos mais importantes ー e que aproximam arte e design ー, Kandinsky conclui que “o interesse pela fórmula [geral da arte] toma duas direções ー a da teoria e da prática”. [... ] A regra, aqui, é subordinada à finalidade (p. 82). Assim se ensinava na Bauhaus: “a forma é subordinada à função”.
Nascido em Xangai em 1931, Fan Ho começou a fotografar aos 14 anos. Aos 18, ele adquiriu sua câmera Rolleiflex com a qual capturou todos os seus famosos trabalhos depois que se mudou para Hong Kong.
Apelidado de “Cartier-Bresson do Oriente”, Fan Ho criava uma atmosfera única com efeitos de contraluz, alto contraste de tons e por meio da combinação de neblina e luz. Seus locais favoritos eram as ruas, becos, praças e caminhos à beira-mar. O que tornou seu trabalho tão intensamente conhecido foi seu vínculo com as pessoas comuns. Em vez de registrar a cidade física, edifícios e monumentos, ele pretendia capturar a alma da cidade com base nas atividades dos habitantes. Fan Ho produziu a maior parte de suas fotografias antes de completar 30 anos.
Segundo Ted Forbes, do canal The Art of Photography no Youtube, Fan Ho compunha as cenas com maestria, explorando as formas básicas (triângulos, círculos e retângulos) e usando um criterioso contraste de tons, sem criar, contudo, imagens “tensas”. Ted Forbes menciona que a obra de Fan Ho se aproxima das ideias praticadas na Bauhaus. Ao aumentar o contraste de tons e sacrificar a textura nas altas e baixas luzes, ele criava cenas minimalistas, simplificando a “leitura” e a interpretação.
Tentando “ligar os pontos” entre a inteligência visual teórica de Kandinsky e a instintiva de Fan Ho, este estudo traçará os paralelos entre elas e buscará revelar os elementos que as vinculam. Não encontrei registro de que nossos dois personagens se conheceram ou tiveram algum intercâmbio intelectual.
O Ponto
Para Kandinsky, o elemento básico, o marco zero da composição, é o ponto: “O ponto geométrico é um ser invisível [...] Do ponto de vista material, o ponto é igual a Zero [...] De acordo com nossa concepção, esse Zero evoca a concisão absoluta, isto é, a maior reserva. Assim, o ponto geométrico é, de acordo com nossa concepção, a derradeira e única união do silêncio e da palavra” (p. 17).
O ponto é, ao mesmo tempo, a imaterialidade total e o início da “aventura gráfica”. Todas as formas vão nascer do ponto, que é a forma primária. Um ponto sobre o plano é a “imagem primária de toda a expressão pictórica” (p. XXI).
Mas o ponto pode começar a ter peso e expressão na composição. O ponto geométrico invisível pode se materializar e pode alcançar certa dimensão, ocupando parte da superfície do plano básico e, assim, ganhar contornos que o isolem do entorno (p. 21).
Um aspecto interessante é a rapidez com que se percebe o ponto e o significado disso para a imagem: “a estabilidade do ponto, sua recusa a se mover no plano ou além dele, reduzem ao mínimo o tempo necessário à sua percepção, de modo que o elemento tempo é quase excluído do ponto” (p. 26). Mas apesar de silencioso, o ponto pode se associar a uma tensão, à medida em que sair do ponto de equilíbrio (centro do plano) e se aproximar dos limites do plano. Outro aspecto importante é sua materialização (ganhar certa dimensão) nos leva a entender que o peso visual do ponto é uma questão da proporção de sua dimensão com outros elementos e com a área do plano.
A Linha
A linha é o resultado de uma força externa sobre o ponto (que o arranca de seu repouso). Os primeiros tipos são as linhas retas geométricas. Assim, a tensão concêntrica do ponto vê-se destruída e o ponto desaparece, dele resultando um novo ser (a linha), dotado de uma vida autônoma.
Há três espécies de linhas retas ‒ as outras retas são apenas variantes:
Horizontal: a mais simples e corresponde à linha ou à superfície na qual o homem repousa ou se move. A horizontal é, pois, uma base de apoio “fria”.
Vertical: linha na qual a base é substituída pela altura (logo, o “frio” pelo “quente”).
Diagonal: vista num ângulo idêntico às duas linhas anteriores, e tem, por isso, a mesma inclinação para as duas, o que define seu equilíbrio em partes iguais de “frio” e “quente”.
No caso das linhas curvas, temos a ocorrência de duas forças simultâneas sobre o ponto, o que dá uma sensação de movimento “em pares”, uma espécie de coexistência de forças.
Temos ainda a linha quebrada, na qual aparece o ângulo, resultado de um duelo entre duas forças “alternas”. Tem-se aí uma alternância “nervosa” e temporária de uma força sobre a outra, criando as mudanças de direção e os vértices.
Para Kandinsky, o arco possui uma maturidade e uma força consciente de si mesmo, enquanto o ângulo parece ser jovem e impulsivo (p. 70): “Essa maturidade e a harmonia maleável da linha curva levam-nos a definir, com certeza, a linha curva, e não a linha quebrada, como a antítese da linha reta. A linha reta e a linha curva formam o par de linhas originalmente opostas” (p. 71).
As formas surgem da combinação das linhas e dos efeitos das forças sobre elas. Kandinsky estabelece uma correlação “natural” (comprovada pela sua “matemática”) na qual as forças geradoras das linhas e os ângulos criados se associam às formas básicas e às cores: a) ângulos agudos - triângulo - amarelo; b) ângulo reto - quadrado - vermelho; e c) ângulo obtuso - círculo - azul (p. 65).
O Plano
Consideramos plano (original) a superfície material destinada a suportar o conteúdo da obra, sendo o mais comum, o plano limitado por duas linhas horizontais e duas linhas verticais (p. 105). Dado que já se conhecem as propriedades das linhas horizontais e verticais, torna-se evidente que o predomínio de uma tendência (da largura ou da altura), induz o caráter “frio” ou “quente” para a imagem como um todo. Dessa forma, os demais elementos são dispostos de maneira a se alinharem com a direção geral do plano ou em uma direção ortogonal a este, criando harmonia ou contraste, respectivamente (p. 105).
O Quadrado é a forma mais objetiva de um plano por equilibrar o “frio” com o “quente”. A disposição de elementos equilibrados em um plano quadrado reforça a harmonia e uma cria uma sensação de repouso.
Alto e baixo
O “alto” (área próxima ao limite superior do plano) transmite a ideia de maior maleabilidade, uma sensação de leveza, de ascensão e, enfim, de liberdade (p. 107). O “baixo” (área próxima ao limite inferior do plano) age de modo oposto: densidade, peso, coerção (p. 108). A aproximação dos elementos gráficos dos limites superiores e inferiores reforça a tensão da imagem, aumentando seus pesos visuais. Objetos de pouco peso visual no “alto” ganham leveza e harmonia. Em contrapartida, objetos de muito peso visual nesse “alto” causam tensão. Para a região “baixa”, os efeitos se invertem.
Esquerda e Direita
Aqui encontramos uma proposição intrigante na questão da oposição esquerda- direita. O sentido para a esquerda ー “sair” ー é movimento “para longe”. Segundo Kandinsky, é o sentido que o homem tende a seguir, quando sai de seu entorno habitual (p. 111). As formas cujas tensões se orientam para a esquerda possuem um significado “aventureiro”, e a dinâmica das formas acentua a intensidade da composição ー seria o sentido “dramático” (p. 112).
Por sua vez, o sentido para a direita ー “entrar” ー é um movimento “para casa”. Esse direcionamento carrega em si um certo cansaço; seu objetivo é o repouso. Direcionando-se para a direita, o movimento desacelera e se “esgota” ー seria o sentido “lírico” (p. 112).
Diagonal
Se traçamos uma diagonal atravessando o plano quadrado, esta se encontra em um ângulo de 45 graus em relação à horizontal e à vertical. Passando do plano quadrado para outras variações retangulares, esse ângulo aumenta ou diminui em graus e a diagonal inclina-se para a vertical ou para a horizontal. Podemos, assim, considerar a nova direção da diagonal, de certa forma, como uma indicação do significado “quente” ou “frio”, respectivamente (p. 115).
A conjugação das características da diagonal com a oposição “esquerda-direita”, para Kandinsky, faz com que a diagonal para a esquerda tenha uma tensão “dramática”, ao passo que a sua oposta, a diagonal para a direita, tenha uma tensão “lírica” (p. 118).
Por fim, no que se refere à relação das formas com os limites do plano, Kandinsky defende que a distância entre formas e esses limites desempenha um papel importantíssimo. A gradual aproximação de um elemento gráfico em direção aos limites do plano gera uma tensão crescente. Ao tocar o limite do plano, ela perde a tensão. Em outras palavras: uma forma ganha em tensão à medida que se aproxima do limite do plano até o instante em que a tensão cessa subitamente, ao atingir esse limite (p. 126).
Na fotografia 1, vemos uma janela compondo uma “moldura dentro da moldura” (sub-framing), recurso muito característico de Fan Ho. A imagem 1 mostra os pontos dentro do sub-frame, sobre as cabeças das pessoas. A placa escura inferior, à direita, equilibra a composição, fazendo uma oposição aos elementos da janela. As linhas inferiores, bem próximas ao limite inferior do plano, trazem um peso visual “frio” para a composição na área d “baixa”, harmonizando-a. O plano quase quadrado reforça a harmonia. Percebe-se que a predomínio do elemento ponto cria um “silêncio” na fotografia.
Fotografia 1
Imagem 1
A fotografia 2 é muito famosa e se tornou um “monumento da arte de compor”. A imagem 2 destaca o ponto e a diagonal para a direita (“lírica”), que coexistem em harmonia. O plano no sentido vertical, traz uma certa dose de dinamismo. Apesar disso, a pose da modelo, virada para a direita, transmite uma sensação lírica e equilibrada. A diagonal e a modelo estão tocando o limite inferior do plano, emprestando à fotografia uma “ressonância lírica”. De novo, o ponto “silencia” a imagem, e parece não haver pressa.
Fotografia 2
Imagem 2
A fotografia 3 privilegia três elementos interessantes. O “assunto” em ação vigorosa centralizado, o recurso do sub-framing e as diagonais. O "assunto" está no centro da composição (na verdade, um pouco abaixo do centro, mas em equilíbrio com os vergalhões um pouco mais acima). A imagem 3 destaca o recurso às diagonais para a esquerda (“dramáticas”) e o sub-frame proporcionado pela abertura na parede. Algumas linhas descontínuas aumentam o interesse e a tensão. Fan Ho eleva o operário à categoria de ícone em seu altar. Essa sensação é reforçada pela direção vertical do plano, colocando o espectador em um nível bem inferior.
Fotografia 3
Imagem 3
Na fotografia 4, temos elementos de harmonia e tensão em equilíbrio. A superfície da água está superexposta, o dá uma sensação de tranquilidade e harmonia. Mas o tom negro dos galhos da árvore, traz uma boa dose de tensão. Fan Ho não exita em sacrificar a textura dos elementos da natureza. A imagem 4 mostra quatro pontos que estão em equilíbrio em relação aos eixos vertical e horizontal. O excesso de ângulos formados pelos galhos mostra que a árvore é um elemento de tensão, com muitas forças “alternas”. A ausência de linhas verticais e horizontais reforça essa tensão. Ainda há o recurso ao sub-framing privilegiando o ponto (barco com as pessoas) com maior peso visual para na parte “baixa”, trazendo um certo equilíbrio. A presença dos pontos silencia a cena e desacelera o tempo.
Fotografia 4
Imagem 4
A fotografia 5 é um clássico do sub-framing aliado ao uso mágico da neblina. A imagem 5 mostra como o sub-frame centralizado e a neblina trazem uma tranquilidade, quebrada pelo alto contraste de tons e pela “compressão” do sub-frame. O barqueiro próximo do limite “baixo” (sem tocá-lo) e o predomínio de linhas verticais deixam a fotografia mais “tensa” e dinâmica. Para onde vai o barqueiro?
Fotografia 5
Imagem 5
A fotografia 6 traz linhas verticais e horizontais em uma composição equilibrada. Mas o que predomina com força, conforme a imagem 6, é o excesso e o peso visual proporcionado pelas diagonais para a direita (as ditas diagonais “líricas”). O degradê da neblina no ambiente dá um toque místico. A distribuição equilibrada das pessoas na cena, o uso moderado do contraste de tons e a direção horizontal do plano reforçam o equilíbrio e a sensação “fria”, calma. Fan Ho nos transporta de uma estrutura urbana (terminal rodoviário?) para o interior de um templo. Mágico, não?
Fotografia 6
Imagem 6
A fotografia 7 mostra dois elementos equilibrados (um humano e o outro “quase humano” ー um casaco no varal ー em oposição no centro da imagem, um próximo da parte “baixa” e o outro, da parte “alta”. O plano tem direção geral vertical e um contraste moderado. Não há elementos que marquem uma oposição “esquerda-direita”. A imagem 7 mostra o predomínio das linhas verticais, levemente compensadas pelas linhas horizontais da escada na parte “baixa”. Há um aumento da “dramaticidade” ao analisar a proximidade das formas em relação aos limites inferior e superior da imagem.
Fotografia 7
Imagem 7
A fotografia 8 privilegia as formas geométricas no primeiro plano (carregador e a caixa). Dentre os diversos contrastes da imagem, temos o conjunto de carros à esquerda versus o conjunto de pessoas à direita. A imagem 8 destaca as linhas verticais compensadas pela forma do plano na direção horizontal. Algumas diagonais para a direita (“líricas”) surgem como elementos interessantes, mas sem ter peso visual. As diagonais dos lados da caixa carregada e seus vértices trazem destaque e têm peso visual relevante, em contraste com as diversas linhas verticais.
Fotografia 8
Imagem 8
A fotografia 9 traz uma “população” de diagonais ordenadas e paralelas. A imagem é criteriosamente contrastada, podendo-se visualizar pessoas nas sombras e a textura das diversas paredes. A imagem 9 mostra um equilíbrio na distribuição dos pontos em relação ao centro (“equador”). Há um equilíbrio na contagem de diagonais “dramáticas” e “líricas”, não havendo uma tensão característica. Em resumo, leveza e harmonia.
Fotografia 9
Imagem 9
A fotografia 10 destaca três crianças lindamente iluminadas pela “luz (sol) de contorno”. Uma é a protagonista (equilibrada no centro) e as outras duas apenas acompanham. O contraste de tons é controlado permitindo ver ainda outras pessoas no plano posterior. A imagem 10 mostra os pontos em equilíbrio. A forma criada pela luz no piso cria um “espaço palco” para o assunto principal. Algumas diagonais “temperam” a imagem, sem trazer nenhuma tensão.
Fotografia 10
Imagem 10
Fotografia 11
Imagem 11
A fotografia 12 também traz um alto contraste de tons, mas cuidadosamente ajustado para mostrar a textura do piso junto aos trilhos. Uma lente grande angular proporciona uma acentuada diminuição dos homens próximos ao limite superior, intensificada ainda pelo sentido vertical da foto. A imagem 12 destaca as linhas curvas maduras para a direita (no sentido “lírico”) encontrando os homens concentrados no “ponto” na parte alta.
A fotografia 11 apresenta um alto contraste de tons, escondendo as texturas das altas e das baixas luzes. O sentido horizontal da composição e o predomínio das altas luzes suavizam a foto. O que torna interessante é o contraste de tecnologia e pesos visuais entre o navio de guerra e o veleiro tradicional. A imagem 11 mostra o destaque das linhas horizontais e o equilíbrio da distribuição dos pontos. O sentido para a direita (“para casa”) do movimento das embarcações suaviza a imagem.
Fotografia 12
Imagem 12
A fotografia 13 é um exemplo de minimalismo proporcionado pela superexposição das altas luzes, tirando a textura da superfície da água ー sequer a linha do horizonte aparece! A imagem 13 mostra os pontos distribuídos de forma equilibrada, com um leve “tempero” proporcionado pelas diversas linhas quebradas (“forças alternas”) do galho da árvore. Novamente, o predomínio do elemento ponto “silencia” a imagem. Não há ruído; de novo, tempo pausado.
Fotografia 13
Imagem 13
Fotografia 14
A fotografia 14 é a essência do minimalismo. Um ponto e uma linha em um cenário bastante simplificado pela falta de textura do chão e do céu. A imagem 14 destaca que tanto o ponto quanto a linha estão próximos à parte baixa da cena, reforçando a estabilidade da composição. O predomínio do ponto “desacelera” a passagem do tempo. Não há tensão.
Imagem 14
Fotografia 15
A fotografia 15 não tem linhas evidentes e os elementos de destaques são os pontos (as cabeças das pessoas) e as diversas molduras (sub-frames). O alto contraste de tons esconde as sombras para destacar as formas das “janelas”. A imagem 15 mostra uma maior concentração de pontos na parte inferior, enquanto que há um leve desequilíbrio (para a direita) na distribuição destes em relação ao eixo vertical, neutralizado, em parte, pela convergência para o centro dos movimentos das pessoas. Um outro contraste interessante é entre a forma dos sub-frames (retângulos na direção vertical — “quente”) e a direção geral da imagem (retângulo na direção horizontal — “fria”).
Imagem 15
A fotografia 16 destaca as linhas verticais (“quentes”) e horizontais (“frias”) em relativo equilíbrio, com um leve domínio das verticais, reforçado pela orientação do plano da foto. A imagem 16 reforça essa “disputa” entre as linhas e acrescenta os pontos no limite interior, ou seja, as pessoas caminhando sobre a linha horizontal “fria”, compensando a direção geral “quente” da foto. Essas pessoas funcionam como uma referência para a escala dos elementos da fachada e “humanizam” a foto, que tenderia a ser muito abstrata se não estivessem presentes.
Fotografia 16
Imagem 16
A fotografia 17 é essencialmente vertical, a direção “quente”. O contraste de tons é máximo (sacrificando todas as possibilidades de textura) e o recurso do sub-frame é usado com maestria. A imagem 17 destaca o dinamismo proporcionado pelas linhas verticais. As formas (pontos) que aparecem no fundo claro “povoam” as formas verticalizadas e dão a ideia de escala.
Fotografia 17
Imagem 17
Na fotografia 18, temos uma longa curva e alguns elementos humanos dando um senso de escala à foto. O contraste de tons é bem ajustado, permitindo visualizar as texturas da água e do piso. O sol ilumina a fachada dos edifícios na porção superior, compensando as nuvens escuras na borda superior. A imagem 18 destaca a curva proporcionada por várias linhas, que se iniciam como diagonais “dramáticas” (para a esquerda), mas que “torcem” para o sentido “lírico” (para a direita), compensando a foto como um todo. Os pontos estão equilibrados e relativamente afastados dos limites do plano, não representando, assim, qualquer tensão. A sombra do carro de carga reforça o “lirismo” com sua diagonal.
Fotografia 18
Imagem 18
Na fotografia 19, uma experiência de múltipla exposição, Fan Ho destaca as diagonais e as pessoas. A direção horizontal da foto compensa a ênfase em diagonais verticalizadas (“quentes”). A Imagem 19 apresenta um equilíbrio de sentido das diagonais (“líricas” x “dramáticas”) que convergem para o ponto médio da borda superior. Os pontos estão, em sua maioria, na porção central ou sobre as diagonais. Notas musicais sobre a partitura? Sim, música para os olhos.
Fotografia 19
Imagem 19
Fotografia 20
A fotografia 20 é minimalista e poética. Ao tempo em que a parede se expande para a direita, as pessoas deslocam-se para a esquerda, criando um contraste delicado. A imagem 20 mostra o predomínio das diagonais de sentido “lírico” surgindo a partir das pessoas, que funcionam como pontos. O uso econômico de poucos elementos confere objetividade e concisão.
Imagem 20
A fotografia 21 “dialoga” com uma famosa foto de Cartier-Bresson com os mesmos elementos (um único personagem, o ciclista, em movimento no seu ambiente urbano). Porém, ao contrário da foto do francês, o ciclista solitário de Fan Ho se dirige para a direita (a direção “lírica”) em uma velocidade menor. Uma única pessoa na foto confere simplicidade e concisão e o uso do contra-luz é mágico. Na imagem 21, há muitas verticais, mas o predomínio das curvas guiam o ciclista e a nossa imaginação. O sol, “emoldurado” pela camisa na parte superior, equilibra a composição com o peso visual do ciclista.
Fotografia 21
Imagem 21
A fotografia 22 é uma bela amostra do uso do contraste de tons aliado a um sequenciamento de planos. No primeiro plano (na parte “baixa”), temos formas com maior peso visual em baixa-luz, sacrificando a textura em detrimento da silhueta. No segundo plano, as formas humanas (da porção central) equilibram com o plano de fundo (altas-luzes). Não há tensão direita-esquerda, o que reforça o equilíbrio da imagem. A grade da estrutura mostrada funciona como diversos sub-frames, ora emoldurando as pessoas, ora “estabilizando” a imagem. Remete a uma grande catedral com seus diversos níveis, altares e ícones: no “baixo”, a existência física presa à terra; à medida que se eleva, a matéria torna-se translúcida.
Fotografia 22
Fontes
Kandinsky, W. Ponto e Linha Sobre Plano. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
https://monovisions.com/fan-ho/
https://fanho-forgetmenot.com/
https://www.yatzer.com/
Ted Forbes - The Art of Photography - YouTube
Atualizado em fevereiro de 2023