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 Texto 10 

O Guia de Poses de Johannes Vermeer 

Johannes (ou Jan) Vermeer (1632-1675) abordou cenas domésticas com incrível domínio de luz, composição e cores. São aceitas de sua autoria 36 telas a óleo concluídas ao longo de sua curta e irregular carreira. Guerras e crises impactaram no mercado de arte holandês (ele também era marchand), causando um estado de permanente stress, que redundou em um ataque do coração aos 43 anos. Vermeer alcançou um reconhecimento limitado em vida apesar de sua técnica apurada, havendo obras suas atribuídas a Rembrandt nos séculos XVIII e XIX. Somente na segunda metade do séc. XIX, seu gênio “furou a bolha” e conquistou o reconhecimento merecido. 

Estudiosos defendem que Vermeer usou a camera obscura, o que nos levaria naturalmente para esse aspecto, uma vez que nossa paixão é a fotografia. Mas vamos tomar um caminho inusitado e tentar entender como ele dirigiu e posou seus modelos. Nossa aventura: montar o que teria sido o Guia de Poses de Johannes Vermeer.

Uma das questões comuns à maioria de seus quadros é que as pessoas estão fazendo algo com as mãos: lendo, escrevendo, tocando um instrumento, apontando... Posar mãos é um desafio, mas traz resultados significativos quando bem executado. Como seria natural de sua época, os corpos dos modelos estão posicionados confortavelmente sem exageros. Vermeer impressiona pela sutileza e pelo silêncio. Ele transmite uma eloquente e elegante emoção explorando as poses, a composição e a técnica. 

A leiteira (1658-1660), Rijksmuseum, Amsterdam (quadro nº 1)

A pintura de “gênero de cozinha” havia saído de moda no séc. XVI na Europa, mas continuaria popular em Delft, onde Vermeer vivia. Há críticos que entendem que esta pintura é a síntese da mulher holandesa: concentrada, laboriosa e forte. A parede ao fundo merece um estudo à parte e parece remeter ao gênio Carel Fabritius (1622-1654) — autor de O Pintassilgo — que viveu em Delft e foi membro da guilda de artistas na mesma época que Vermeer.

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Quadro nº 1 – A leiteira

A figura nº1 destaca o posicionamento do corpo angulado em relação ao observador o que acentua o arco formado pela cintura (forma de ampulheta), ainda que a personagem não seja magra. Além disso, o ombro esquerdo mais baixo do que o outro confere um dinamismo moderado. A cabeça inclinada para o ombro mais baixo e próximo do observador é um movimento natural para que ela veja o que as mãos estão fazendo e contribui para acentuar a feminilidade. No rosto lindamente iluminado, os olhos e o nariz mantêm uma distância segura da lateral da face.  As mãos ocupadas expõem as partes laterais em vez das partes mais largas. A modelo olha concentrada para a panela. O ângulo de 90 graus no cotovelo esquerdo insere uma tensão e uma “barreira” e poderia atrapalhar a cena, mas ele é amenizado pela cor mais escura da manga. Na parede, não há objetos nem linhas que interferem com a cabeça. “Limpa o fundo!”, diria o professor de fotografia.

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Figura nº 1 – estudo sobre o quadro nº 1 

Moça com chapéu vermelho (c. 1669) Galeria Nacional de Arte, Washington (quadro nº 2)

Esta pequena pintura sobre madeira sempre levantou suspeitas de autenticidade. A cena é posada com espontaneidade e informalidade, o que a afasta um pouco do estilo de Vermeer. Este tipo de retrato se chama “tronie” e servia mais como um estudo do que uma obra acabada. Os holandeses do séc. XVII transformaram o estilo “tronie” em obra definitiva. Supõe-se que a filha mais velha do pintor, chamada Maria, posou para os quadros 2 e 3 deste estudo.

Quadro nº 2 – Moça com chapéu vermelho

A figura nº 2 revela uma jovem que virou a cabeça espontaneamente, uma vez que ela mantém a cervical reta e não pende a cabeça para nenhum dos ombros. Os olhos e o nariz estão afastados que qualquer borda da face e se direcionam para o observador. O olho mais perto do observador aparece maior do que o olho mais afastado (para casos em que os olhos tenham tamanhos diferentes, evite posar o olho menor mais próximo da lente!). Poses laterais trazem o desafio de o ombro atrair o olhar do observador mais do que o rosto. A atração do observador para o ombro é limitada em parte por conta da cor escura da roupa. A face direita está toda na sombra, o que atrapalha um pouco a delimitação entre o maxilar e o pescoço, fator muito importante para retratos de beleza e moda. O observador está posicionado na altura dos olhos, o que permite apresentar os elementos do rosto (queixo, lábios, nariz, olhos e testa) em equilíbrio.  

Figura nº 2 – estudo sobre o quadro nº 2

Moça com brinco de pérolas (c. 1665) Museu Mauritshuis, Haia (quadro nº 3)

Esse icônico óleo, chamado de “Monalisa do Norte”, parece ter sido feito também como um estudo (“tronie”) como a Moça com chapéu vermelho (quadro nº 2). Para pintar o turbante azul, o artista usou uma tinta na cor azul ultramarino de altíssima qualidade, feita a partir da pedra semipreciosa lápis-lazúli, extraída do Afeganistão. A tela caiu em esquecimento e ressurgiu somente no ano de 1881, mais de duzentos anos após ter sido pintada.

Quadro nº 3 – Moça com brinco de pérola

A Figura nº 3 revela uma jovem que virou a cabeça de forma posada, pendendo-a para o ombro esquerdo mais próximo — ver o nível dos olhos — reforçando a feminilidade. O olho direito tangencia a borda da têmpora delicadamente sem ocultar nenhuma parte. Assim como o quadro anterior, Vermeer faz com que o olho mais próximo do observador apareça maior do que o outro. A roupa é mais escura do que o rosto e não representa um obstáculo e algumas de suas linhas guiam o olhar do observador para o rosto. O observador está mais alto que que os olhos (na altura da testa), o que faz destacar os olhos, a testa e o turbante em detrimento do nariz, lábios e queixo — que parecem menores, se comparados com o quadro nº 2 posado pela mesma modelo. A luz (contando com o reflexo da gola) e a altura do observador ajudam a delinear melhor o maxilar, separando-o do pescoço, conferindo mais elegância. 

Figura nº 3 – estudo sobre o quadro nº 3 

Mulher segurando uma balança (c. 1664) Galeria Nacional de Arte, Washington (quadro nº 4)

Neste quadro, a mulher — supostamente esposa do pintor, grávida — segura uma balança com pedras e ouro de forma tão pensativa que o observador hesita em interromper. O quadro do fundo remete ao Juízo Final e a cena, no todo, aborda o tema de que julgar significa ponderar, colocar os prós e contras “na balança”. A modelo é colocada fisicamente entre o místico da cena bíblica e a contingência da vida material. Viver entre estes dois mundos requer equilíbrio.

Quadro nº 4 – Mulher segurando uma balança

A figura nº 4 nos apresenta um corpo angulado em relação ao observador com a cabeça levemente inclinada para o ombro mais próximo, típico da delicadeza feminina. O olho direito e o nariz se aproximam da borda posterior da face sem tocar a têmpora e a maçã do rosto. O braço esquerdo está levemente dobrado, o que não interrompe a vista dos elementos posteriores nem traz tensão. As mãos são delicadas, mostrando as laterais (partes mais finas); os dedos levemente fechados e as dobras suaves dos pulsos acentuam a feminilidade. Os olhos apontados para a balança reforçam a tranquilidade da cena. As bordas do quadro ao fundo não interrompem partes da cabeça nem do pescoço da modelo.

Figura nº 4 – estudo sobre o quadro nº 4

A rendeira (1669 – 1670) Louvre, Paris (quadro nº 5)

Essa cena era comum no séc. XVII, havendo inclusive um trabalho semelhante de Diego Velázquez de 1643, hoje na Galeria Nacional de Arte de Washington. Outros pintores holandeses exploraram esse motivo, mas nenhum alcançou Vermeer em tranquilidade e emoção. Essa cena também destaca o espírito trabalhador e a virtude da mulher holandesa.

Quadro nº 5 – A rendeira

A figura nº 5 nos apresenta um corpo inclinado para frente angulado em relação ao observador, oportunidade para dar volume ao motivo. A cabeça está voltada sobre as mãos e pende levemente para o ombro mais próximo do observador. Os olhos e o nariz estão afastados que qualquer borda da face. Os antebraços e os objetos “protegem” o peito da modelo. Os dedos dobrados suavemente reforçam a delicadeza. Assim como o quadro A Leiteira, a parede não tem qualquer elemento de distração.  

Figura nº 5 – estudo sobre o quadro nº 5

O astrônomo (c. 1668) Louvre, Paris (quadro nº 6)

Retratos de cientistas estavam na moda no séc. XVII. O modelo é possivelmente Antonie van Leeuwenhoek, especialista em ótica e microscópio, que mantinha contato com o pintor em vida, provavelmente criando soluções para a sua camera obscura. A cena é posada com vitalidade em um ambiente povoado de retângulos, círculo e vários elementos conectados por ângulos de 90 graus, conferindo “energia” para um efervescente ambiente “científico” dos anos 1600. 

Quadro nº 6 – O astrônomo

A figura nº 6 revela um homem em perfil (ângulo de 90 graus e, relação ao observador) parcialmente sentado e contém vários elementos de estudo sobre a mesa. Há diversos ângulos retos na cena, conferindo energia. O rosto em perfil acentua o nariz totalmente fora da linha da face a mostra somente um olho, direcionado para o globo. Os braços estão afastados e expõem o peito, ao contrário das modelos femininas. As mãos estão posadas (a esquerda mostra sua maior área) e os dedos propositalmente abertos ou segurando a borda da mesa com vitalidade. 

Figura nº 6 – estudo sobre o quadro nº 6

Fontes de imagens e de pesquisa:

https://www.santiniphotography.com/blog/lessons-vermeer-teached-me/
https://www.theguardian.com/artanddesign/jonathanjonesblog/2011/sep/27/johannes-vermeer-photographic-realism-painting
https://erickimphotography.com/blog/2017/12/15/5-composition-photography-lessons-from-johannes-vermeer/
https://johnnyburger.medium.com/vermeer-was-a-photographer-d3eaf3ab8c64

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